Strange
days. Dias estranhos.
"Morning,
keep the streets empty for me", ouço ecoar ao meu ouvido, como um
sussurro de boa noite. Enquanto meio mundo dorme, minha mente está tumultuada
pela minha presença. E essa é a hora em que mais refletimos sobre o Universo e
tudo mais. E é aí que me lembro de um dia...
Em uma aula do ensino médio, enquanto participávamos de uma dinâmica, um dos garotos mais calados - se não o mais calado - foi convidado a entregar uma caixa. Essa era a dinâmica em que cada participante escolhia quem era mais inteligente, quem era mais comunicativo, simpático e por aí vai, seguindo as instruções do professor, claro. Depois de muito rodar naquela brincadeira, a professora, no caso, pediu que ele entregasse a caixa à pessoa mais criativa naquela sala. Para minha surpresa, ele olhou a sala cuidadosamente e como a timidez e a introspecção o deixava mais livre a observar melhor cada pessoa na sala, ele entregou a caixa para mim. Eu era a pessoa mais criativa, segundo a opinião dele. Tudo bem que eu escrevia e lia muito, por isso tinha uma imaginação mais desenvolvida, mas ainda assim eu me pergunto até hoje, em dias nostálgicos, como hoje, como ele pode ter decidido que eu era a pessoa mais criativa naquele momento? Ele poderia na pressa ter visto alguma expressão que eu fiz? (Mas eu me lembro de ter me surpreendido...) Posso eu ter controlado o que ele faria pela bendita linguagem corporal?
Essas são algumas reflexões
que surgem na minha mente (agora), porém a mais importante: o que é afinal
criatividade?
Não há nada novo, nada é criado do nada. Tudo tem uma certa influência. Mas o que é ser criativo? A partir do que foi experienciado e aprendido/apreendido recriar?
Pensemos na etimologia da palavra: criatividade vem de creare, verbo em latim
que significa criar algo novo, inovar. Não na concepção de criar do nada, concepção divina, mas pondo minha interpretação: romper, usando o que já foi
criado, o que existe. Afinal, nada vem do nada (novamente). Os átomos e as moléculas que me compõem e que a ti compõe, caro leitor ou cara leitora, vêm das
estrelas, como disse Carl Sagan - o homem, cientista e divulgador que mais
compartilho (e indico)!
Pode
acontecer de um dia, sem motivo aparente, nos sentirmos meros objetos, sem
"alma", sem empatia, vazios e indiferentes - tal como temos nos sentido nesses dias estranhos. As crises existenciais sempre estão
presentes, obviamente. Entretanto o mais interessante é perceber que mesmo que o que
tenhamos falado ou vivenciado não sejam "novidades", existem maneiras sim, de inovar, de
ser original. Eu olho para mim e vejo aqui um ser com seus limites, um corpo
que exige ser alimentado, cuidado, e, ainda assim, um ser diferente, único. Temos as
mesmas formações, o famigerado DNA, as mesmas moléculas, não é? Contudo, uma
simples mudança de lugar de um átomo ou uma mutação genética nos torna
peculiares. Nos transforma em seres diferentes.
Opa, parece
que eu escrevi um texto motivador? Entenda como quiser, mas é fato (imaginem
uma risada frenética, nervosa) e veja minha real intenção: não existem criações
vindas do vazio. Ser criativo e original é saber modificar o que já existe e
recriar. É tornar-se peculiar. Tornar algo peculiar, singular a partir do existente.
Quando
pensamos muitas vezes na palavra criar, não pensamos logo de primeira nessa minha ideia - por conta
do lugar comum, em que estamos imersos e a qual ficamos constantemente
isolados, sem questionar e sem tentarmos fazer um esforço. Pensamos logo na
concepção do vazio para a inspiração originada a partir do nada. No entanto, até um insight ou a epifania de vários
contos da escritora Clarice Lispector surgem de algo, um olhar, um mirar. Surgem de um objeto, da visão de um cego mascando chiclete, de um deficiente, de um animal, etc. Confudi ou compliquei? Espero ter didatizado. É uma capacidade que
desenvolvi e continuo desenvolvendo com o tempo, como tudo. E a criatividade é aprender a aprender de novo continuamente, enquanto estivermos vivas e vivos.
Entrando em
digressões, como sempre, giro a maçaneta e adentro sem receio na grande sala mental. Daqui vislumbro esses pensamentos e tento organizá-los escrevendo. As minhas memórias têm aparecido mais (hipótese) porque os dias estão mais nublados e porque estamos em isolamento. A melancolia é
comum também? O sol quente e as muitas vozes parecem impedir que raciocínios assim nasçam e
cresçam ao longo das horas. Parece que uma rosa está nascendo e desabrochando,
crescendo, abrindo caminho na minha mente... Será mesmo uma rosa? Ou seriam meros espinhos? Sabe-se lá. Só sei que entrar aqui é um caminho infernal, doloroso e, sobretudo, maravilhoso. Ao ler, espero que você tenha vindo comigo, se não, tente no futuro. Por agora fico com a minha companhia.
Enfim, para concluir essa rede de pensamentos gigantesca, quem sabe infinita, uma história sem fim: eu não surgi do nada. Tu não surgiste do nada. Nada surgiste do nada. Somos como reciclados, queridos leitores e queridas leitoras. "I will never disappear". Nunca sumiremos. Tudo está conectado. Everything is connected. E é por entrar nessa espécie de transe, sem drogas, sem ópio ou mescalina - a droga que Aldous Huxley utilizou certa vez - que eu me despeço para poder viajar nas abstrações malucas da existência e dos meus devaneios baseados em contemplações.
As minhas eus, a do passado, do presente e do futuro, se despedem. GOODBYE, por enquanto, já que eu complico demais tudo. Por que eu não poderia apenas postar um texto curto ou um poema sobre criatividade?
POSSO FAZER AGORA!
Uma pessoa
sozinha não pode tornar um grito potente,
Ela sempre
precisará de outras para lançá-lo o mais distante possível
Até porque
essa terra é árida, dura,
É uma terra
difícil para quem não pode arriscar a sua voz...
E muito mais
para quem não está disposto a se ir, fluindo junto a corrente do rio. *
Lancem meu grito e se juntem a mim.
*Referência ao poema Tecendo a Manhã de João Cabral de Melo Neto
Comentários
Postar um comentário