PEREGALLI,
Enrique. A América que os europeus
encontraram. - 13ª ed. Rev. Atual. – São Paulo: Atual, 1994. – (Discutindo
a história).
Dividido
em sete capítulos, A América que os europeus
encontraram traz ao conhecimento do público uma narrativa de revolta e
concernente com nuances marxistas, fazendo de Peregalli integrante do grupo de
analistas dos fenômenos histórico-culturais americanos sob
a perspectiva da luta de classes, como também coaduna o jornalista Eduardo
Galeano, dentre outros pensadores.
Após
uma rápida apresentação do autor, o capítulo um inicia-se com uma rápida visão
de Peregalli acerca da chegada dos europeus na América. Ele não se apega ao
discurso vitimista das Altas Culturas americanas defendido pelos estudiosos
nativistas, bem como não concorda com as posições eurocentradas e cristalizadas
do saber histórico sobre o processo de colonização do continente. O autor
posiciona-se enquanto analista destes povos, europeus e nativos americanos,
ambos estratificados socialmente e que caminhavam em estágios diferentes de
organização social. O que fica claro neste primeiro momento é de que se
deve pensar em povos evoluídos ou não, na
perspectiva um tanto ortodoxa do marxismo de que as sociedades caminham para
uma comunhão social futura condizente com a equidade entre os sujeitos e seu
modo de produção.
No
capítulo dois, temos a explanação sobre os mexicas que compunham junto com os
povos subordinados a eles o império Asteca. Antes desta explanação específica,
o autor trabalha a ideia de Marx sobre as sociedades hidráulicas antigas que se
estruturavam sob “o modo de produção asiático”, aplicado à América sob a
apropriação do autor do conceito marxista intitulado modo de produção
tributário.
O
modo de produção tributário caracteriza-se como uma abstração a ideia
consonante de superestrutura e infraestrutura de Marx, sendo comum enquanto
estrutura econômica aos três povos que Peregalli faz uso: Astecas, Maias e
Incas, tendo cada um suas particularidades socioculturais. A partir disso,
nosso autor reflete alguns pontos em comum entre eles, como as ainda não
estabelecidas classes sociais, sendo apenas a massa populacional que move a
economia como força de produção e tributação e o Estado, coordenado por
sacerdotes, militares e famílias privilegiadas. O fato aqui é que são
evidenciadas aglomerados de classes que ainda não se estruturam a uma margem
complexa e estratificada da sociedade capitalista, a qual os europeus já
caminhavam. Assim, é explanado o modo de produção tributário como estrutura
pré-capitalista, precedente de um modo de produção primitivo, um entremeio,
portanto, entre a sociedade sem classes e a sociedade de classes. Peregalli é
enfático ao afirmar que as sociedades ameríndias estavam ainda se processando
economicamente sob a égide de moldes concernentes a uma sociedade mais
estratificada e de produção mais valorativa, o que foi interrompido pela
chegada dos europeus e o desmantelamento deste processo por outro mais abrupto
e estratificado que rechaçava os povos da América a uma situação subordinada às
sociedades europeias e que, por sua vez, já estavam passando pela transição de um
pensamento arraigado a alta produção e clivagem social: o capitalismo. Assim,
para os europeus manterem-se como hegemonia, era necessário a capitulação de
outros povos, no caso, os ameríndios.
É
pensando esse processo sob égide macroestrutural que o autor especifica o
discurso aos mexicas, atribuindo aos astecas a ideia de confederação: diversos
povos com línguas, crenças e contextos diversos que estavam ligados pela força
militar dos astecas, que ao mesmo tempo que consumavam seu poderio
sociopolítico, absorviam as nuances culturais dos povos que subjugavam. O
militarismo será acentuado pelo autor como a grande particularidade dos mexicas
que ainda são analisados sob uma perspectiva semelhante ao do historiador Perry Anderson.
As classes de comerciantes, os pochtecas,
se configuravam, bem como os nobres receptores de terras do Estado – único
indício de propriedade privada entre os estados confederados astecas – como
sujeitos que já ensaiavam distanciamentos do poder estatal, ou seja, uma quebra
na ligação entre o poder político e econômico, que configurou a passagem do
“feudalismo para o absolutismo” segundo Anderson em sua obra Linhagens do Estado Absolutista. Quase
que involuntariamente – ou não - Peregalli constitui da obra de Perry
Anderson, também marxista, sua análise sobre as mudanças socioeconômicas que permeavam as estruturas da
sociedade asteca, não teorizando, obviamente, a formulação de um “absolutismo”
mexica, já que os contextos culturais se constroem de maneiras distintas em
ambos os povos.
O
capítulo três evidencia as cidades-estado maias, que coadunavam com os astecas
a característica difusiva da cultura entre os povos. Nas cidades-estado da
cultura maia, é enfatizado a questão agrária que serve como manobra para
explicar outro atributo dos povos mesoamericanos em seu modo de produção
tributária: a ainda estreita relação com a natureza. Peregalli chega a afirmar
que a história da humanidade é a história da separação entre os homens e suas
condições naturais de existência – lembra um tanto a célebre frase de Marx em O Manifesto Comunista: “A história da
humanidade é a história da luta de classes”. Refletindo sobre, o autor conclui
a partir dos maias que, à medida que as estratificações sociais se
complexificam, o homem torna-se cada vez mais subjugado por ele mesmo, saindo
de seu estado primitivo de relação com a natureza, para uma fase mais intensa
de produção desigual no qual a superestrutura (as ideias) edifica a infraestrutura (a matéria) pela
articulação da mão de obra assalariada em seu estágio capitalista, deixando a
natureza como coadjuvante do processo.
A estreita relação dos maias, astecas e incas com o meio ambiente nos mostra um
processo ainda não consolidado de coadunação entre a superestrutura e a
infraestrutura dessas sociedades, o que seria uma forte característica dessa
fase transitória do modo de produção tributária para uma fase mais estratificada
e de infraestrutura mais produtiva. As condições naturais das regiões onde
residiam os maias foi importante para a queda dessas cidades-estado. A baixa
produção em clima e terra adversos fez com que o Estado adotasse um sistema
produtivo de rotação, em que parte da terra não era cultivada para descansar.
Contudo, a baixa produção e a falta de articulação entre as estruturas
socioeconômicas, bem como a difusão cultural desenfreada dos maias, que os
fizeram entrar em crises bélicas de conquista, convergiram para a queda desses
povos.
No
capítulo quatro, a região andina é evidenciada. A força política de mobilização
e pressão social aqui é exposta pelo autor como motor principal para
caracterizar os Incas como um império, uma força política mais articulada e que
manobrava as massas sociais pelo território para melhor controla-las pela
distância. O grande mecanismo geracional de privilégios e legitimação do
discurso de poder entre os incas foi a força religiosa. Com soberanos que
diziam-se descendentes de divindades, as famílias nobres e de sacerdotes
articulavam-se na política como detentores do poder estatal. Essa articulação é
usada por Peregalli para explicar que o discurso vitimista dos estudiosos
nativistas não se sustenta e que os povos ameríndios configuravam-se como
sociedades que caminhavam para uma hierarquização social cada mais complexa,
com a existência de classes privilegiadas e subjugadas, tentando derrubar a
mítica do paraíso social perdido nas florestas tropicais do Novo Mundo.
No capítulo cinco, Peregalli começa a discorrer sobre as ideias de civilização e
barbárie, assunto muito pertinente ao se pensar os estudos de História da
América, que geralmente viram um campo minado de argumentos convergentes e
divergentes quando tais conceitos são empregados sobre as chamadas Altas
Culturas da América. A discussão entre eurocentristas e americanistas abre
espaço para o capítulo seguinte que explana sobre as principais figuras do
processo colonizador: o dúbio Colombo, caracterizado pelo autor como um sujeito
dividido entre a sua formação religiosa e seus conceitos científicos que se
aproximavam de um humanismo que diluía-se neste meio teológico na Europa; o
articulador Cortéz, adjetivado como um homem de pensamento perspicaz que
promoveu grande destruição por conta de sua engenhosidade de estratégia quando
passou a relacionar-se com os Astecas; e Pizarro, analfabeto, violento e
ganancioso que promoveu a queda do Império Inca que já passava por uma crise
interna. O ponto alto deste capítulo são as dubiedades que o autor constitui em
seu texto, sendo um estudioso americanista que obviamente não deixa de
valorizar as potencialidades culturais e sociais dos povos ameríndios, em
muitos aspectos, mais articulados que os povos europeus. Ao refletir se Colombo
era um santo ou demônio, o autor constrói uma contestação um tanto maniqueísta,
sendo necessário que o leitor se atente a ordem do discurso empregada para não
cair na malha fina de caracterizar o sujeito em “bom” ou “mal”, o que configura
um ato que ultrapassa a posição de um historiador e pode cair apenas em um
juízo de valor. É essencial articular o texto ao título para que se configure
nas conclusões o que se pode, de fato, elevar-se como relevante na argumentação
e não apenas “bom” ou “ruim” como um gosto simplista e pessoal.
No
capítulo final, Peregalli traz uma pertinente discussão sobre a identidade que
configura o que contemporaneamente chamamos de homem americano, não só aquele
pertencente a pátria ianque, mas de todo o continente. Nesse sentido, ele
retoma a discussão assídua entre eurocentristas e americanistas. O grande
argumento pensado é de que os residentes da América do Sul vivem sob governos
corruptos e corrompidos que trazem em seu seio um “senso subjugado” e inferior
e por essa razão não possuem uma identidade cultural consolidada. Tal
configuração não se compõe na América do Norte, colonizada sob moldes
diferentes e que, segundo o autor, promoveram significativas mudanças no
contexto atual, atentando principalmente, para as composições religiosas – a
américa luso-espanhola católica e a treze colônias protestantes – empregando
ideias concernentes a concepções weberianas. Em seu livro, A ordem protestante e o espírito do capitalismo, Max Weber traz a compreensão de que a ordem mais autônoma dos fieis em relação aos sacerdotes e a noção de investimento e não apenas de acúmulo de riquezas tenham sido razões para que os protestantes sejam um dos motes de formação do capitalismo, seja pelo capital, percepção do individualismo ou afastamento com o pensamento mais conservador da Igreja Católica. Esse fenômeno teria ocorrido no processo de formação dos países da América do Norte, colonizada por franceses e ingleses, diferenciando-se da chamada América Latina, estendendo-se do México aos países da América Central e do Sul.
Essa
postura subjugada e conturbada faz parte de sua constituição cultural e não
seria um crime afirmar isso se levar em consideração que esse panorama caótico
que vivemos seja uma construção histórica do desmantelamento de estruturas
antes fincadas e que foram por séculos bombardeadas por uma ressignificação da
realidade pela inserção de uma nova mentalidade nos âmbitos político, econômico,
cultural e social desses povos. É pertinente também afirmar que esse panorama
não pode causar atenuação da luta ou do estudo sobre a América, o que enfatiza
o discurso atual dos estudiosos americanistas trazido por Peregalli, que pensam
o presente em consonância com o futuro, que possa ocorrer uma reconfiguração do
homem americano, em todas suas estruturas e que sua identidade pessimista - do
povo que não se mobiliza, do Brasil que não tem jeito -, possa ganhar novos
significados e, consequentemente, mudanças pertinentes na superestrutura e
infraestrutura do continente e na mentalidade dos sujeitos.
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