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Encontro com o Outro simbolizado na Barata: resenha de A Paixão Segundo G.H de Clarice Lispector




(Fotografia de capa da versão em ebook para o Projeto Mediando Encontros de Thalya Amancio, 2021).

Para leituras complexas, vindas de escritoras e escritores que realizam a quebra de barreiras, de tradições literárias, quebras de espaços, contextos, narradores e personagens é uma boa ideia começar por textos mais curtos dessas e desses. Contos, ensaios, crônicas são portas de entrada para suas temáticas.


                        (Esse método é muito recomendado para que nos adaptemos com a linguagem, a escrita e a estética de determinadas autoras e determinados autores)



E para o caso desse romance aqui resenhado, não é diferente. Entramos em uma crise existencial e no desmanchamento das estruturas da personagem G.H, uma mulher que pensava ter sua vida toda organizada e sedimentada. Contudo, depois de seu encontro com a barata no quarto de sua ex empregada, Janair, G.H entra no deserto e na despersonificação de si mesma. A personagem entra em si mesma, encontrando também suas e seus ancestrais, como também o Nada. A barata, desse modo, é um encontro do Eu e Tu, o Outro, desenvolvido maestralmente pela famosa autora brasileira.

A linguagem instaura uma quebra de padrões, de antíteses, dualidades e G.H se torna um símbolo de um sistema falido. Sistema que procura organiza e dividir o que seria humano de não-humano, como se tal procedimento fosse possível, afinal, somos e não-somos. O famigerado clichê (ou não): "somos complexos. Somos nuances". 

No susto de ser ver na barata e no Outro, a personagem - e anti-personagem - percebe que criamos conceitos e a nós mesmas, a nós mesmos. Vestimos "máscaras" para evitar entrar no fundo de nós e enxergar o intrínseco da existência. O âmago da existência não é humanizado. O âmago da existência é neutro, excruciante e doloroso de enxergar. Não desejamos ir até esse âmago, porque como a protagonista dessa jornada - ela é a heroína dessa jornada -, ver ou vislumbrar o anti-sabor do neutro e da existência que não se sabe existência, é antes de tudo perigoso e divino demais para nossas mentes pequenas, acostumadas a organização e a ordem - o que muito lembra o horror cósmico pois nos apresenta a compreensão da vida como praticamente impossível para a humanidade. 

Nessa jornada, seguramos a mão de G.H e também viajamos pelo deserto. "Qual deserto?" Vocês devem perguntar. O deserto presentes também em nós. Todas e todos em algum momento deverão encarar seus próprios amargos, agridoces e neutros a fim de alcançar o paraíso. Todas e todos em algum momento entrarão tão profundamente nessa viagem, que sairão desconcertados, sem limites e desconectados com a organização. Como ela, em algum momento perceberemos que a existência é caos e vida pulsando, procurando viver e sobreviver sem ao menos notar ou ter consciência tão clara de sua luta para viver.

 - "viver é perigoso, cuidado a cada esquina", ouvimos os sussurros durante a imersão do livro ou, melhor, dessa experiência. 
 
É escolha nossa se continuaremos apesar desses sussurros encarando nosso Inferno, nosso(s) caos.

E vocês, se permitiriam adentrar no mais profundo de vocês? 
Se sim, vamos! Viver é um ato de coragem, afinal.


estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda.


(Imagem com citação inicial da obra, Thalya Amancio, 2021).


A Paixão Segundo G.H é uma leitura árdua, mas muito relevante e atemporal. Vai além de questionamentos filosóficos e existenciais. E a cada olhar novo, poderemos construir mais significados, afinal por manter uma comunicação com a leitora/o leitor, Clarice deixa em aberto a(s) interpretação(ões).


LEITURA EM VÍDEO DE TRECHO DO ROMANCE




Entrar em contato com o Outro, o Tudo e o Nada é não entender, é sentir

 

O mundo independia de mim? esta era a confiança a que eu tinha chegado: o mundo independia de mim, e não estou entendendo o que estou dizendo, nunca! nunca mais compreenderei o que eu disser. Pois como poderia eu dizer sem que a palavra mentisse por mim? como poderei dizer senão timidamente assim: a vida se me é. A vida se me é, e eu não entendi o que digo. E então adoro.




Resenha de A Paixão Segundo G.H publicado pela primeira vez em 1964. 

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