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Algumas Considerações Sobre Édipo Rei de Sófocles

Escrita por volta de 427 a.C. pelo dramaturgo Sófocles, Édipo rei se caracteriza como umas das obras trágicas mais memoráveis já registradas pela literatura. 

Tal história, que já foi concebida em diversas versões, em sua concepção original conta a trajetória de Édipo, um jovem que através de um oráculo, elemento típico da religiosidade grega, descobre ser o indivíduo que um dia matará o pai e se casará com sua progenitora. Atordoado, Édipo sai de sua cidade e após um desentendimento com um velho em uma estrada acaba por matá-lo, sem saber que o sujeito é, na verdade, seu pai. Chegando a cidade de Tebas, Édipo conhece Jocasta com quem se casa, tem quatro filhos: Antígona, Ismênia, Polinices e Etéocles e torna-se rei.

Anos se passam e quando uma praga ameaça a paz da cidade de Tebas, esterilizando os ventres e a terra, Édipo recebe a grande notícia de que todo aquele antro de horror e morte só acabará quando for descoberta a identidade do assassino de Laio, antigo rei da pólis tebana e marido de Jocasta. A notícia viera de seu cunhado, Creonte, que havia consultado o oráculo de Delfos.

Édipo promete banir o grande assassino, que será maldito até o fim da vida. Iniciada a procura pelo algoz, Édipo recebe a visita do cego vidente Tirésias. O velho pressagiador acusa o próprio rei de assassinato, o que desperta a ira de Édipo, que se vê cada vez mais atormentado pela previsão que um dia tinha sido atribuída a ele.

Em torno de toda essa tensão, eis que surge um mensageiro trazendo a trágica notícia da morte de Políbio, rei de Corinto, e aparente pai de Édipo. Logo em seguida, surge um camponês que afirma ter estado presente na comitiva do rei Laio no dia em que foi morto. O antigo rei, temendo por uma previsão de um oráculo de que um dia seria assassinado pelo próprio herdeiro, pediu para que o dito camponês levasse o bebê do casal real de Tebas para uma região distante depois do parto e tirasse sua vida, o que de fato, não ocorreu, já que a criança foi levada para outra pólis, onde foi criada pelo rei Políbio e sua esposa. Édipo assim era um herdeiro ilegítimo de Corinto.

Grande foi o impacto dessas revelações que protagonizam o clímax da peça. Após tais informações, Jocasta, a mãe-esposa de Édipo, suicida-se e seu filho-marido, ao ver lamentável imagem de sua progenitora, pega dois alfinetes caídos dela e fura os próprios olhos, na tentativa de se castigar por tamanha desgraça ocorrida em sua vida. 

De fato, a história de Édipo é carregada por uma dose de culpa constante de seu protagonista, que vive uma grande tensão ao longo da história, permeada de seu corifeu. A imagem de Jocasta como a mártir, que não vê mais saída na vida se não for a morte, reflete a tensão do ser humano abalado pelos baques da vivência, sendo em determinadas circunstâncias, insustentáveis. Jocasta e Édipo criam uma relação de causa e consequência. Ele proveio dela e este, por sua vez, se lastima pela morte da mesma. Uma relação em cadeia.

O drama sofocliano também exprime com maestria a conjuntura religiosa grega, sempre permeada por superstições e previsões. Os oráculos nessa história, particularmente, adquirem um espaço de exímia importância e participação na jornada das demais personagens, como agentes transformadores e idealizadores de um futuro irreparável.

Além da conjuntura mística que circunda o enredo de Édipo, culminando em um clímax de tensão familiar, a peça também exibe a participação de agentes coadjuvantes decisivos para o prosseguimento da história.

A mescla de diálogos que não tinha a introdução de um narrador onisciente e onipresente, divide espaço com um “personagem coletivo”, o coro, encabeçado pelo corifeu, o sujeito mais notável entre as vozes ali presentes. O coro era uma regência de pessoas mais velhas, o que representa o lugar social de tais indivíduos como agentes reprodutores das velhas histórias.

Édipo é a representação extremada de um anti-herói, aquele que “tudo pode”, mas na ação de tudo fazer, se corrompe pelos defeitos que possui e se lastima pela ordem do destino que reflete sua injúria, teimosia e valentia. A monumentalidade da mente humana, em Édipo rei, cai por terra por confrontar-se com os impulsos naturais.

Memorável em toda sua estrutura, Édipo rei se mostra um drama ainda atual, sendo base de pesquisas de grandes intelectuais como Sigmund Freud e Michel Foucalt. Uma das peças mais famosas da história da literatura antiga ocidental se revela inquietante e tensa, nos refletindo como seres humanos que agem pela libido e inquietudes da existência. A depressão humana representada numa atmosfera tênue de acontecimentos demonstra a avalanche das relações que se mostram exímias detentoras de conflitos e trágicas realidades irreparáveis.

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