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"O Conquistador" de Federico Andahazi.

ANDAHAZI, Federico. O conquistador. Tradução de Antonio Fernandes Borges. – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007. 

A obra vencedora do Prêmio Planeta em 2006 O Conquistador, lançada neste mesmo ano sob o título original El Conquistador é de autoria do romancista e contista argentino Federico Andahazi. Graduado em Psicologia pela Universidade de Buenos Aires, Andahazi já lançou grandes sucessos, sendo o maior deles o polêmico premiado best-seller O anatomista. Já tendo trabalhado como psicanalista, esse autor busca em suas personagens as mais diversas facetas e sentimentos, revelando personalidades complexas, no caso de O conquistador, até mesmo contraditórias, mergulhadas em um fluxo cultural diferente e instigante para quem deseja uma leitura fora dos meandros contemporâneos e ocidentais de vida. Um pós-modernista ávido, Andahazi revela nesta obra tomada de pessimismo uma narrativa ágil e simples, sendo comparado logo em um primeiro momento a um romance juvenil qualquer, mas que ao longo do plot revela-se gradativamente maduro e revelador de caminhos que podem não soar esperados como se imaginaria.

Dividido em três partes com narradores diferentes, O conquistador apresenta em sua primeira parte numa narração em terceira pessoa sobre o protagonista do romance, Quetza, e suas vivências enquanto integrante da mais alta classe social asteca. Numa segunda parte, agora narrada em primeira pessoa pelo personagem principal, vemos a grande jornada de Quetza além-mar em busca de novas terras, isso por meio dos escritos de seu diário de viagem, sempre endereçadas a sua amada; e numa terceira parte, retomando a narração em terceira pessoa, com vários flashs de registros de Quetza em formato narrador personagem, vemos o clímax da epopeia deste sujeito ao encarar o novo mundo que ele encontrou no outro lado do oceano: a Europa.

Por mais estranha e antitética que possa parecer, o romance de Andahazi carrega em seu bojo uma pitada de “E se tivesse acontecido isso...”, com um enredo que apresenta um menino órfão de pai e mãe que perdeu seus progenitores na mesa de sacrifícios dos Astecas. Ao léu e também destinado as oferendas ao deus da morte Huitzilopotchtli, o pobre menino é salvo por umas das grandes figuras da cidade de Tenochtitlán: Tepec. O ancião agarra a causa de cuidar daquela pobre e doente criança.

A medida que cresce, Quetza – o ressuscitado – que antes era um estrangeiro nas terras sangrentas do povo mexica agora é um pilli, integrante da mais alta classe dos mexicas. Ele tem em sua infância um grande amigo: Huatequi. Ambos crescem juntos, sendo que Quetza e Huatequi parecem sempre disputarem a atenção da menina de olhos cinzentos a quem são próximos, Ixaya.

Sendo tomado aos quinze anos aos tratamentos terríveis dos sacerdotes da cidade, como um bom integrante do alto escalão seria, Quetza entra para o colégio-mosteiro intitulado Calmécac, onde passa por provas de resistência física e aprende a cultura erudita da cidade. Passando por ritos de passagens, que envolviam mortes e sangrias que serviam de espetáculo, nosso protagonista passa a ser reconhecido com um piedoso e valente guerreiro. Sua inteligência ainda chama atenção dos sacerdotes, ao criar um calendário mais elaborado para a população. Tamanha proporção de sua fama chega aos ouvidos do imperador, que convoca Quetza para se fazer presente em seu palácio e ser doado aos deuses em ordem de sacrifício pela sua magnitude cognitiva e física, sendo essa ideia persuadida pelo sacerdote que não pôde mata-lo enquanto criança e agora parecia estar sedento pelo seu sangue: Tapazolli. Tentando contrapor a tais decisões, Quetza atenta a crueldade de tais sacrifícios e afirma que um grande perigo aproxima-se das terras dos mexicas. O que ele havia visto em seu calendário, tal como uma profecia, seria o fim de um tempo e o início de outro.

Para fazer jus ao seu discurso de mudança, Quetza consegue convencer o imperador a aceitar a absurda ideia que refletia seu mais sublime sonho de infância e encantamento: lançar-se ao mar. Acreditando nas palavras de Quetza, mesmo levando em consideração o fracasso da missão e a consequente prisão e morte de nosso protagonista em caso de falha, o imperador envia o grande guerreiro a terras sombrias e tomadas de barbárie, onde ele integra um grupo de homens perigosos e mexicas ao lado de um povo dominado pelo império, que sofria constantes humilhações. Com esses estranhos sujeitos, Quetza constrói uma grande nau e lança-se ao mar com uma tripulação de desterrados, assassinos e ladrões. Nos seus diários de viagem, Quetza exprime seus mais profundos sentimentos a Ixaya, com quem um dia planeja casar-se, além de não esconder sua grande visão e curiosidade diante do desconhecido.

É chegando ao outro lado do oceano, depois de enfrentar canibais nas ilhas mesoamericanas e uma terrível tempestade – o que soa tremendamente previsível tratando-se de uma história que se passa um terço no mar -, que Quetza e seus homens deparam-se com um mundo assolado pela ganância do ouro e da prata, onde tudo é vivido e resolvido entre a cruz e a espada. A cruz, as imagens e imponentes castelos e igrejas não são suficientes para fazerem Quetza desacreditar de sua cultura e seu povo.

Ao longo de seu trajeto pela região central e mediterrânica do continente europeu, perpassando o continente asiático e circundando o litoral do território, Quetza e sua tripulação, agora acreditados em seu capitão e suas prodigiosas intenções, dão a volta no globo e chegam a suas terras pelo lado oeste do continente americano, trazendo consigo animais para eles desconhecidos e alguns assustadores, como cavalos, cachorros, camelos e elefantes, além de alguns objetos, como a roda de uma carruagem e peças de seda. Ao pisar em terra firme, agora no território mexica novamente, Quetza sabia que não seria mais o mesmo e que sua visão de mundo era tão ampla quanto o próprio globo e de todas as pessoas com quem havia conhecido e negociado.

O que mais chama atenção na constituição deste enredo não trata-se apenas da composição cultural que Andahazi desenvolve com maestria acerca dos Astecas, mas sim, o contato da mentalidade dos mexicas em consonância com as demais culturas que Quetza e seus homens se deparam ao redor do mundo, dando especial atenção a cultura europeia, desde o cristianismo dos espanhóis, ao mau-humor dos franceses e a opulência e riqueza dos castelos e cidades italianas como Gênova e Veneza, sendo esta última descrita pelo protagonista como uma cidade gêmea de Tenochtitlan, mediante as comparações com as vias por onde passavam canoas e a intensa mobilidade de pessoas por uma das grandes cidades mercantis da península renascentista.

Ao longo do trajeto de nosso protagonista, o autor tenta salientar quase que uma posição política que é disseminada pelas entre linhas da narrativa: a ideia de que os europeus carregavam em seu bojo cultural a essência da ganância e a avidez pela riqueza. É a partir dessa prerrogativa, perpassante a uma perspectiva essencialmente econômica, também levando em consideração em menor escala o imaginário cultural europeu e sua conjuntura religiosa nesse processo, que o autor constrói os pilares da mentalidade das nações do continente para a expansão marítima.

Ainda é salientado as diferenças socioculturais que estavam inseridas nos trâmites estruturais das nações do continente europeu, acentuando na região da península ibérica a grande presença da devoção ao cristianismo, chegando aos moldes quase medievais de caracterização, com direito a fogueira da Santa Inquisição e uma analogia desse processo aos sacrifícios humanos feitos pelos Astecas, ao mesmo tempo em que expandia o olhar para a região da península itálica e trazia à tona o caráter renascentista e de efervescente comércio com o mediterrâneo e o oriente próximo que evidenciava as cidades de Gênova e Veneza.

Ademais, Andahazi procura construir uma narrativa em grande parte em terceira pessoa, mas que tal narrador é tomado pelos preceitos culturais de nossos viajantes à medida que avançam em sua epopeia marítima, para caracterizar, por exemplo, os ídolos religiosos da Igreja Católica sob a ótica dos Astecas, trazendo a interessante constituição do estranhamento com o novo, explorando a mentalidade sócio histórica do indivíduo diante do que ele não conhece: o momento em que os Astecas vestem as roupas numa cabana onde aportam no litoral europeu, que já traziam uma certa divisão por gênero no vestuário, característica dos primeiros momentos da moda, como afirma Gilles Lipovetsky[1], e homens usam espartilhos e saias sem saber a real função daquilo; a relação feita por Quetza entre a Virgem Maria e a deusa da fertilidade, que assim como a imaculada figura cristã frutificou um ser em seu ventre ainda virgem; o ato de nomear conforme sua língua as terras por onde passam e chegando a chamar a desconhecida terra de Tochtlan, “Terra dos coelhos”, comparando os pastores que amedrontam-se com as roupas de guerra dos Astecas em sua chegada com pequenas lebres amedrontadas e chamando os líderes das cidades europeias por onde passavam de caciques.

Além da tentativa de constituir um interessante e diferente retrato do panorama sócio histórico do continente europeu sob a égide do pensamento asteca, a narrativa ainda traz uma conjuntura cultural desse povo, destacando principalmente o poderio militar que possuíam, abordando a ida de Quetza a terras de povos dominados, os huastecas, como também a abordagem de outros povos que mantinham escasso contado com os mexicas: os povos nativos de ilhas mesoamericanas – onde hoje correspondem a Cuba, Caribe – e que de fato existiram, acentuando seu caráter isolado e defensivo, levando em consideração a tensão entre outros povos que espalhavam o medo por onde passavam com suas roupas medonhas e espalhafatosas: os canibais.

A constituição da mentalidade de Quetza é outro ponto que chama atenção. Ele é representado através de uma imagem não muito inovadora, beirando as nuances do clichê do garoto que sobreviveu e se sentia deslocado mediante suas origens pobres, apesar de viver uma vida de dignitário, sempre tentando a busca pela sua essência, conquistando tudo pela sua excepcional e incrivelmente inédita inteligência e posição social. Vemos a representação de um sujeito que também não soa grande novidade tratando-se de seu valor enquanto protagonista: um indivíduo inquieto, sedento pela curiosidade e o novo, tentando através de suas invenções – no caso, as embarcações que fazia – uma válvula de criação para sua tamanha capacidade. Nosso protagonista se mostra um homem austero em suas convicções enquanto sujeito testemunha de um tempo, tendo em algumas partes do livro essa vaga noção histórica. Quetza tem consciência de que muitos elementos que constituem a cultura dos Astecas mais parecem tomarem partido de outros objetivos que não são aqueles apresentados: o fato dele sempre contestar os sacrifícios humanos, atentando para o fato de que as mortes não fariam os deuses felizes, mas reduziriam os deuses a espectadores da ruína dos astecas com toda a sangria feita a tantos homens, reduzindo o número de guerreiros; a visão do protagonista sobre os diversos “fins” que o mundo asteca já passou, acentuando entre linhas a ideia cíclica de tempo dos mexicas e seus preceitos mítico-religiosos, mostrando que o mundo do grande império mesoamericano não era destruído e reconstruído por deuses, mas pelos próprios homens em suas passagens de governo, e que o grande fim e recomeço que se aproximavam, na qual a cultura e todas as estruturas sociais astecas morreriam se os europeus cruzassem o oceano, já havia sido observado pelo nosso guerreiro depois de temer a ganância dos nativos que havia encontrado. Quetza ainda se questiona sobre sua própria integração enquanto asteca, refletindo sobre a conquista que está fazendo a um povo que matou seus pais, sendo eles prisioneiros de guerra.

Outro detalhe que chama atenção são alguns personagens, como Keiko, chamada de Carmem, uma prostituta que fazia parte de umas das várias redes de prostíbulos que eram coordenadas por padres – ora, vejam só! – e que havia sido raptada ainda jovem de Cipango, região da China, e possuía grandes habilidades de desenho de mapas e orientação, o que mostra ainda a importância da construção imaginativa do espaço geográfico para tempos tão remotos para navegação. Quetza, ainda conhece a Rainha Isabel de Castela, a grande responsável por bancar a viagem de Cristovão Colombo, que também surge em uma rápida aparição e compartilha com Quetza a ideia da esfericidade da terra.

Sobre os trâmites comerciais da navegação, o autor ainda constitui toda uma atmosfera de conflitos e relações heterogêneas que se desenvolvia na principal região evidenciada no romance, a península ibérica. A relação dos mouros – como eram chamados os árabes nas regiões de Portugal e Espanha – com os demais povos da Europa constituía uma mescla de várias culturas conflituosas e ainda abre espaço para a reflexão feita por Quetza sobre a constituição religiosa monoteísta do cristianismo, o judaísmo e o islamismo, que mesmo compartilhando da ideia de um mesmo deus, confrontavam-se entre si em meio a um fundamentalismo religioso, que expandia-se para um panorama também econômico e social.

Trazendo uma narrativa detalhada, principalmente na terceira parte, Federico Andahazi perpassa as mais diversas culturas do mundo, revelando-se não só um romancista de grande esmero, como um estudioso atento. Ele atravessa a cultura Asteca, explorando os seus artificies culturais e cotidianos, trazendo a ideia dos jogos e das relações humanas, além de enfatizar o já citado caráter militar, a beleza do comércio mexica, além da faraônica arquitetura de sua capital, Tenochtitlán. As culturas europeias e orientais se enlaçam pelas nuances mercantis que unem todas as paradas de Quetza, que sempre é confundido em todo o mediterrâneo com um mercador oriental, acentuando a constante corrida da Europa e sua dependência dos produtos advindos da Índia.

A China é a parada de Keiko e também lugar onde proximamente se mostra a mítica terra de Aztlan, o suposto lugar de onde saíram os mexicas em busca de suas terras, enfatizando nesse trecho, bem como a suposta aparição de Quetzalcoátl, o deus da vida, as partes mais fantasiosas do romance, que não se apresentam com um caráter fantástico explícito, mas que se mostra sobrenatural a partir da visão dos personagens, acentuando a ideia do fantástico criado pela mente humana e a constante busca pela explicação do sobrenatural.

Ao final da viagem, vemos todas os animais e objetos coletados – inclusive uma roda de carruagem, fato interessante, já que Quetza reflete que já existia corpos redondos em seu povo, mas que não eram usados para locomoção, repassando a ideia de pluralidade entre as culturas que podem atribuir significados e funções diferentes ao mesmo objeto – serem perdidos pelo choque do nau com uma pedra já próximo da costa litorânea. Quetza volta para o império mexica com poucos sobreviventes e sem provas de sua glória, e se vê só no mundo, com seu pai morto, seu grande amor casada com outro e desolado na terra dos desterrados aguardando um novo ciclo ser iniciado com a eminente chegada dos europeus que já se planejavam para uma expansão marítima. O que Quetza pensava de expansão diferia-se em partes dos europeus, apesar do etnocentrismo das culturas serem o caráter comum a ambos os lados neste caso imaginado por Andahazi. De qualquer forma, nossa narrativa acaba com a premissa de tudo o que sabemos – ou achamos que sabemos sobre a colonização: [...] a guerra dos deuses estava para começar.[2] Foram mundos que se enlaçaram e que jamais seriam homogêneos, assim pensei depois da leitura encerrada. Mundos que foram apresentados dentro de um só, tal como uma aquarela histórico-ficcional capaz de trazer ao leitor a experiência de mentalidades múltiplas que nunca se fariam isoladas, mas mescladas entre poucas harmonias, grandes conflitos e desenlaces.



[1] LIPOVETSKY, Gilles. Império do Efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. Pág. 24.

[2] ANDAHAZI, Federico. O conquistador. Tradução de Antonio Fernandes Borges. – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007. Pág. 262.


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