Pular para o conteúdo principal

Metáforas do Mundo no Cinema: Seis Filmes para Aguçar sua Interpretação.

Filmes sempre são uma ótima oportunidade de tratar de temas pertinentes e que podem gerar grandes discussões sobre a história, a temática, personagens e outros elementos dessas produções. Isso se torna ainda mais importante quando tratamos de falar de cinema na sala de aula.
Quando se leva um filme para uma turma de estudantes, é necessário saber se a produção é adequada para o público, no que diz respeito a faixa etária, linguagem e complexidade da trama. Também é forçoso pensar sobre aspectos da própria produção, como ano de lançamento, quem produziu, como e com qual intuito foi produzida. Por isso, além do filme, é interessante poder trazer cenas do making off, entrevistas dos atores, atrizes e diretores, além de produtores ou roteiristas. Tudo isso traz mais detalhes e envolvimento na produção que está sendo analisada e auxilia na compreensão do está sendo assistido.
Darei algumas sugestões de filmes que podem proporcionar a alunos e professores debates sobre problemas e temas sociais, mas embebidos em uma atmosfera um tanto diferenciada. A proposta desse post é trazer filmes que trabalham com alegorias, simbologias e metáforas sobre aspectos sociais, que tornam-se mote de crítica dessas produções. Assim, não apenas temas que concernem aos âmbitos da filosofia, sociologia, história e geografia poderão ser elucidados, como também cria-se uma oportunidade de aguçar o senso crítico e a interpretação por meio do audiovisual.
Vale lembrar que esses filmes também podem ser discutidos entre os próprios estudantes em clubes de estudos próprios, fazendo com que um auxilie e contribua com o outro. Se ajude e estude em comunhão com seus amigos. Isso te traz senso de integração e enriquecimento de ideias.
Irei seguir uma linha cronológica de filmes. Lembrando que são produções aleatórias que selecionei e além dessas, muitas outras obras com essa linguagem podem ser discutidas. Vamos à lista!

Blade Runner (1982)

Dirigido por Ridley Scott e baseado no romance "Androides sonham com ovelhas elétricas?", de Philip K. Dick, o filme americano traz a história do caçador de androides Rick Deckard (Harrisson Ford), que está em busca de androides fugitivos e criminosos. A trama é ambientada no ano de 2019 em um futuro alternativo e distópico. A Terra está destruída por um desastre nuclear e muitos seres humanos vivem no espaço. Os outros animais foram extintos, sendo substituídos por robôs, por isso a pergunta do título do livro: "...ovelhas elétricas?" Quem é rico, pode comprar um animal de verdade, que custa uma fortuna. O filme gira em torno do contexto da Guerra Fria, diante do desastre nuclear que ocorreu na história. A produção, nesse sentido, conecta-se ao panorama histórico do livro, escrito em 1968 e que possui aprofundamentos em diversos personagens e no grande mote do enredo: o questionamento sobre a existência humana. Essas questões filosóficas são desenvolvidas ao passo que também se constrói críticas sobre o crescimento desenfreado do capitalismo corporativista, o que é ser humano, questão ambiental e uso de energia nuclear. O filme é produzido sob uma estética do chamado cyberpunk, uma vertente da ficção científica, que se propõe a desenvolver uma crítica social mais incisiva e na grande maioria das vezes, com histórias ambientadas em futuros alternativos e personagens passando por crises existenciais. Política também é um assunto recorrente no cyberpunk. O filme mesclado ao livro pode ser trabalhado com Literatura, História e Filosofia.

Matrix (1999)

Escrito e dirigido pelas irmãs Lilly e Lana Wachowski, esse longa americano é cheio de ação e aventura. Ambientado também em um panorama distópico com uma esfera de vivência também inspirada no cyberpunk, a trama conta a saga de Neo (Keanu Reeves), um programador, que descobre viver em uma realidade simulada chamada Matrix, controlada por robôs que subjugam a espécie humana. Ao perceber que todos neste mundo estão embebidos em uma realidade sobreposta a outra, Neo embarca em uma aventura de redescoberta de si e do mundo, lutando junto com diversos aliados contra as máquinas que dominaram não apenas a humanidade, como a própria percepção da realidade. O filme é abrilhantado por incríveis efeitos especiais e técnicas de filmagem inovadoras. O longa das irmãs Wachowski é o primeiro de uma trilogia, seguido por Matrix: Reloaded e Matrix Revolutions. A obra traça paralelos com a Alegoria da Caverna, de Platão, Alice no País da Maravilhas, de Lewis Carroll e ainda na obra de Jean Baudrillard, que envolve discussões sobre símbolos e simulacros. É uma produção incrível para discutir sobre realidade, humanidade, liberdade e autoritarismo nas aulas de filosofia. 

Clube da Luta (1999)

Baseado no romance de Chuck Palahniuk e dirigido por David Fincher, esse filme, também americano, gira em torno de um homem sem nome (Edward Norton), que além de narrar a sua história também passa a ser desafiado pela própria vida diante das pessoas que ele encontra. Ele conhece Tyler (Brad Pitt), um cara avesso de seu comportamento. Se o narrador possui uma postura quieta e contida, Tyler é impulsivo e teimoso. Depois de ter sua casa destruída, o narrador vai morar com Tyler. Eles passam a se desentender e brigam diante de um bar, chamando atenção de outros homens. Com o tempo, essas brigas ficam mais frequentes e os conflitos se tornam desafios. Forma-se um clube da luta, que foge da rotina de grande parte dos homens que participam do clube. É uma fuga a norma e as regras da sociedade. Contudo, os conflitos vão ficando cada vez mais acirrados e o clube da luta passa a se tornar um grupo mais radical. Ao final, a história tem um grande plot twist, uma reviravolta que pode pegar muita gente de surpresa. É uma obra incrível para falar sobre radicalismo, capitalismo, liberdade e controle. 

O Labirinto do Fauno (2005)

Escrito e dirigido por Guillermo del Toro, o filme mexicano-espanhol é um prato cheio para os amantes da fantasia. A obra é ambientada na década de 1940 e conta a história de Ofélia (Ivana Baquero), uma menina imaginativa e que ama contos de fadas. Ela se muda com sua mãe para um acampamento militar. Elas foram levadas para lá para que a mãe de Ofélia, que está grávida, ficasse perto do marido, o general Vidal (Sergi López), um homem cruel e que trabalha no governo fascista de Franco na Espanha. É lá onde Ofélia encontra um labirinto onde mora um fauno que desafia a menina a três atividades para que ela volte a um reino encantado que está prometido a ela. Entre as atividades, que envolvem criaturas mágicas e assustadoras, o filme também evidencia a repressão do governo espanhol da época e brinca a todo momento com as instâncias da realidade e da fantasia. É uma grande obra para discutir autoritarismo e repressão nas aulas de História.


Parasita (2019)


Escrito e dirigido por Bong Joon-ho, o filme sul-coreano, que se tornou o primeiro longa estrangeiro a conquistar o Oscar de Melhor Filme, traz a história de uma família pobre que vai se infiltrando dentro da casa de uma família rica, com um a um conquistando um emprego. Ao longo da história, se pensamos que essas pessoas estão no fundo do poço, logo descobrimos que há outras pessoas que estão literalmente abaixo delas. A trama quebra com a clássica dicotomia de mocinhos e vilões e os vários detalhes que a produção traz enriquece a história e constrói simbologias importantes para cada momento do filme. A particularidade na vida dos personagens revela uma face do panorama socioeconômico na Coreia do Sul e do mundo contemporâneo em si. Discutindo implicitamente sobre as posições de opressor e oprimido, miséria, capitalismo e desigualdade social, o filme é incrível para ser discutido nas aulas de História, Geografia e Sociologia a partir de uma pergunta geradora que ganha mais complexidade à medida que tenta ser respondida: quem são os parasitas da história?

O Poço (2020)

Dirigido por Galter Gaztelu-Urrutia, o filme espanhol de terror, suspense e ficção científica está disponível na plataforma da Netflix. Conta a história de Goreng (Ivan Massagué), um homem que decide entrar em uma prisão para parar de fumar e lá conhece Trimagasi (Zorion Eguileor). Goreng assusta-se ao descobrir que os prisioneiros mudam de cela a cada mês dentro de um gigantesco prédio vertical por onde passa uma plataforma flutuante cheia de comida. Essa plataforma, que sempre começa cheia e alimenta os primeiros andares com fartura, vai se esvaziando e chega sem nada de alimentos nos andares de baixo, fazendo os prisioneiros passarem fome e chegarem ao limite da sobrevivência. Quem está nos andares de cima em um mês e não se importa com quem está lá embaixo pode estar uma das últimas celas no mês seguinte. Diante disso, Goreng luta para mudar a realidade da prisão e por isso, bate de frente com Trimagasi, que já não se incomoda com esse sistema. A trama é uma grande alusão ao sistema de classes, remetendo ao capitalismo, desigualdade e hierarquia social. É cheia de símbolos e muitas pessoas já tiveram inúmeras interpretações sobre o final aberto do filme. É uma grande produção para se discutir sobre revolução, radicalismo, desigualdade, capitalismo, socialismo, comunismo e autoritarismo.


DESEJO A VOCÊ UMA ÓTIMA SESSÃO DE FILMES E UM GRANDE DEBATE. :)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Rainha do Ignoto (1899) de Emília Freitas: Redescobrindo Uma Obra Esquecida da Literatura Brasileira.

  Lançado no ano de 1899 em uma tipografia fortalezense, o romance A Rainha do Ignoto trazia em seu enredo temas e personagens não muito comuns para a tradição literária da época. Para compreendermos o complexo processo de “memoricídio” pelo qual essa obra passou, retrocederemos até a metade do século XIX para conhecer um pouco de sua autora. Emília Freitas era cearense, nascida em 1855, na região de Jaguaruana, mas na época pertencente a Aracati. Desde a infância, Emília entrou em contato com livros e rodas de conversa em sua casa, que a aproximavam do mundo intelectual. Com a morte do pai aos quatorze anos de idade, sua família acabou tendo que se mudar para a capital, Fortaleza, afim de recomeçar uma nova vida diante das dificuldades financeiras e o baque emocional do luto. É na capital cearense que Emília se forma no Curso Normal, voltado a formação de professoras primárias da época, como também se dedicou aos estudos da Língua Inglesa e Francesa. Além de ficcionista, Emília se...

O poder e o discurso: análise de "A Ordem do Discurso" de Michel Foucault

  FOUCAULT, Michel . A ordem do discurso :  aula inaugural do Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970 . São Paulo: Loyola, 2014.   As reconstruções de dizeres: sob o ombro de gigantes   Muitas foram as contribuições de teóricos, cientistas, filósofos e estudiosos da humanidade ao longo do tempo. E muitos se destacaram, enquanto outros foram esquecidos e silenciados durante um longo período e só então resgatados muito depois; às vezes, esquecidos pela perda de seus escritos, outras vezes, propositalmente, pela sociedade. Mikhail Bakhtin, Nietzsche, Albert Einstein, Newton, Stephen Hawking, Carl Sagan, Hannah Arendt, Hipátia, Marie Curie, Freud, Ferdinand de Saussure, Émile Benveniste, Michel Pêcheux, entre tantos outros. Os últimos relacionados a Análise do discurso, como também Michel Foucault, autor de A ordem do discurso (1970) . Utilizando as palavras de Newton, todos olharam o mundo a partir dos ombros de outro, se é permitida essa analogia, F...

A Angústia da existência: Angústia de Graciliano Ramos

  (Edição de 2019) (Edição comemorativa de 75 anos de Angústia , versão digital.   Imagem de Thalya Amancio) "Levantei-me há cerca de trinta dias, mas julgo que ainda não me restabeleci completamente. Das visões que me perseguiam naquelas noites compridas umas sombras permanecem, sombras que se misturam à realidade e me produzem calafrios. Há criaturas que não suporto. Os vagabundos, por exemplo. Parece-me que eles cresceram muito, e, aproximando-se de mim, não vão gemer peditórios: vão gritar, exigir, tomar-me qualquer coisa. Certos lugares que me davam prazer tornaram-se odiosos. Passo diante de uma livraria, olho com desgosto as vitrinas, tenho a impressão de que se acham ali pessoas exibindo títulos e preços nos rostos, vendendo-se. É uma espécie de prostituição. Um sujeito chega, atenta, encolhendo os ombros ou estirando o beiço, naqueles desconhecidos que se amontoam por destrás do vidro. Outro larga uma opinião à toa. Basbaques escutam, saem. E os autores, resignados, m...